Quando pensamos em subir de nível no tênis, logo imaginamos muitos troféus, lideranças no ranking, winners e jogadas aplaudidas e admiradas pelo público.
Mas será que podemos enxergar mais coisas além disso? Alguém de fora, ou até você mesmo já se questionou quando:
-Você vai jogar um torneio. O que vai ganhar com isso?
-O torneio é muito forte. Por que você vai lá para perder na primeira rodada?
-Vai participar de um curso. Não precisa! Você já sabe dar aula de tênis!
-O curso é em outro estado. Pra que vai gastar dinheiro se não vai aprender nada?
Jogar torneios pra quê?
Algumas vezes, fazemos coisas ou até deixamos de fazer sem ter a resposta certa.
Desde os primeiros torneios que participei, talvez eu soubesse a resposta, mas não tinha tanta consciência da importância do que aquilo traria na minha vida.
Lembro do primeiro torneio federado que participei, com 12 anos de idade. Tive que jogar na categoria acima da minha idade, com uma menina de 14, e experiente. Ela já batia com top spin e eu nem sabia o que era aquilo. Falei pro meu pai depois do jogo: a bola dela vinha virando!!! Que difícil!!
Fui lá para perder na primeira rodada (e já sabíamos), assim como em tantos outros torneios. Já me inscrevi em torneios que simplesmente cheguei a final com uma série de W.O.s.
Na adolescência, meu pai pagava a inscrição, pagava a viagem, ficávamos o final de semana ou vários finais de semana a disposição do torneio, e muitas vezes, eu jogava apenas um jogo. Ou por ter perdido na primeira rodada, ou pela chave ser pequena mesmo.
Acredito que as pessoas que olham de fora, às vezes pensam: “Nossa, vai lá para o Rio de Janeiro, para perder na primeira rodada”. “Nossa, foi lá para Curitiba, pra jogar um jogo”
Pois é, eu quase não disputei torneios brasileiros na época de juvenil. Os poucos que fui, perdi na primeira. E hoje eu penso: o que me acrescentou? Será que fiz meu pai gastar dinheiro à toa, um dinheiro que poderia ser para uma viagem da família toda, ou em alguma melhoria na casa?
Viajar e buscar jogar contra alguém da minha idade na época, era uma forma de avaliar minha capacidade de jogo.
Visão de quem entende: Judy Murray
Segundo a Judy Murray, mãe do Andy Murray e do Jamie Murray (primeiros do mundo em 2016), jogar apenas com crianças da mesma idade, não foi o que fez os filhos dela aprenderem a jogar e e lidar com situações difíceis.
Ela diz que quando seus filhos eram pequenos, com 9, 10 anos, jogaram um campeonato de duplas no clube, onde tiveram que enfrentar homens acima dos 30 anos. Tinha jogadores de mais de 60 anos, experientes, que davam bola torta, slices, e eles tiveram que aprender a lidar com tudo isso. E isso foi muito bom pra eles.
Enquanto algumas crianças, apenas jogam com crianças da mesma idade, com um nível de dificuldade que não as permite ganhar mais experiências.
Confira a entrevista que fiz com a Judy, durante o Workshop realizado pela Liga Tênis 10, por iniciativa de Bruna Assemany.
O tênis como “meio” de evolução
O caminho que persisti, foi um caminho onde as vitórias e derrotas chamam a atenção, por se tratar de um esporte competitivo. Onde há resultados mensuráveis.
Porém, não podemos esquecer, que o que sustenta a vontade de seguir na mesma direção, é entender o “que ganhamos com isso”.
A resposta pra isso, foi dada pelo meu grande amigo (e tomo a liberdade de chamá-lo assim), Dr. Lauro Otsuka, tenista e atuante dentro da Federação Paulista de Tênis por muitos anos.
No meu último encontro com ele, antes de ser chamado para discursar no grande torneio de tênis dos Pré-veteranos do Clube Cooper Cotia, ele chamou minha atenção para o que muitas pessoas fazem.
Inscrevem-se em um torneio, participam de um evento ou concluem uma pós-graduação e não se atentam ao fato de que aquilo tem que ajudar a subir de nível!
Não é o fato de sair com um troféu, ou com uma premiação em dinheiro, ou um diploma.
Participar de algo que te desafia ou acrescenta informações profissionais, deve te levar a um outro patamar!
Não ao patamar dos “mais vencedores da categoria”, não ao patamar dos “pós-graduados”.
Mas ao patamar de HOJE, EU SOU MELHOR QUE ONTEM. Saio daqui, melhor do que entrei.
E a conclusão disso é que me torno uma pessoa melhor a cada evento que tenho oportunidade de participar.
Ouvi dizer uma frase atribuída a Ivan Lendl, primeiro do mundo por 270 semanas em 1980: “para desenvolver atletas, eu os levaria a torneios em que eles pudessem ganhar, e também em torneios em que só perderiam”.
Reflexão
Se você foi jogar um torneio, foi para uma aula de tênis, um evento, um curso. O que isso acrescenta a você?
Depois de participar de algum evento, matricular-se num curso especialmente, algumas pessoas buscam currículos, diplomas…
Ouvi de um mestre no tênis, que muitos professores de tênis estão preocupados em “colecionar” diplomas, posando para fotos nas mídias sociais.
Esse mestre, questiona-se sobre o verdadeiro sentido daquilo. O quanto que um curso acrescentou em seus conhecimentos, quais mudanças foram provocadas em seus pensamentos, ou até quais crenças foram consolidadas?
O que vai se refletir no seu modo de trabalhar, planejar suas aulas, traçar os objetivos para seus alunos. E o que vai se reverter em benefício próprio, sua família e seu bem-estar, sua evolução profissional, e a evolução integral do seu aluno.
E seguindo essa linha de pensamento, onde temos que usar todas as oportunidades como formas de crescimento, não poderia deixar de ser diferente, no desenvolvimento do tenista.
E não é privilégio do tenista em formação profissional. Qualquer processo de melhoria e aprendizagem, nos traz muitos desafios e provações.
Errar aquela bola fácil e:
-xingar um palavrão
-culpar o morrinho do saibro
-auto punir-se
-desistir de jogar tênis
ou:
-engolir a raiva
-respirar para acalmar-se
-sentir tristeza por um segundo e já esquecer em seguida
-não culpar “outros” (vento, linha, sol)
-pensar que o Djokovic também faz dessas
-ter atitude de Lorde
Enfim, numa simples jogada no tênis, percebemos por qual caminho se está seguindo.
Errar ou fracassar não é privilégio dos fracos.
Os momentos difíceis são os momentos em que mais nos fortalecemos. Assim, sempre estaremos melhor preparados no dia seguinte.
Conseguir enxergar essas oportunidades de crescimento é uma dádiva. Se você é tenista, não vai desistir na primeira derrota. Se você é treinador, nunca terá um atleta que “não deu em nada”. Se você é professor, sempre será lembrado pelos seus alunos como aquele que ensinava tênis, mas desejava que isso fosse uma ponte para evolução constante do ser humano.
Conclusão
Desejar evoluir no tênis, assim como em qualquer outra parte das nossas vidas, pode ser atrelado a um fundamento muito mais importante: a evolução do ser humano.
Submeter-se a provações, como jogar torneios, é uma forma de mostrar coragem para enfrentar as dificuldades.
Nem sempre quem ganha o lugar mais alto no pódio é quem ganhou mais.
No alto de sua experiência, Judy Murray nos mostra que não poupou seus filhos de derrotas para homens mais velhos, pois sabia que isso os faria enfrentar as dificuldades, e arrumar as soluções para esses problemas dentro de quadra. Desenvolvendo o raciocínio e os fortalecendo emocionalmente.
O tênis em qualquer nível, é um meio de exercer nossa capacidade de resiliência. E mais que isso, podemos nos transformar em pessoas diferentes ao longo do tempo.
Vamos avaliar como estamos encarando nossa trajetória no tênis. Está sendo apenas um momento de puro lazer, ou um momento de puro estresse?
Estamos indo a cursos para obter diplomas, ou para realmente nos tornar um profissional melhor?
Conseguimos extrair de cada momento de dificuldade, uma lição? De cada bola errada, um aprendizado? De cada derrota, um passo a evolução?
Esse assunto surgiu em um torneio, por sugestão do Lauro Otsuka, que acredita que cada evento, curso, torneio, deve ser aproveitado para nos tornar alguém mais evoluído, alguém melhor.
O que deve nos motivar não são apenas os diplomas e medalhas.
Portanto, dedico esse texto ao amigo Lauro, que tanto me incentiva a seguir o meu caminho, mesmo com todos os erros, tropeços e derrotas.